Miuzela - Panorâmica Geral
Texto extraído do Dicionário Enciclopédico das Freguesias - III Volume (com actualizações).
Orago: Santa Maria Madalena
População:
Actividades económicas: Agricultura, pecuária e industria de aguardente (extinta).
Feiras: Mercado mensal (entre 22 e 28 de cada mês)e anual (durante o mês de Agosto).
Festas e romarias: S. Sebastião (móvel, durante o mês de Agosto), Procissão dos Passos (Corpo de Deus) e Dia de Todos os Santos.
Património cultural edificado: Igreja matriz, escola primária, torre do relógio, sepulturas celtas, fonte do mercado, monumento às vítimas do colonialismo, calvário, capelas de Santa Luzia, da Santa Bárbara e de S. Martinho, fontes de mergulho, ponte românica de sequeiros, forno comunitário e rua da botica.
Outros locais de interesse turístico: Rio Côa, rio Noemi, sepulturas cavadas na rocha e zona histórica da freguesia.
Gastronomia: Cabrito assado, enchidos, pão da Miuzela, manjar de caça (extinto) e vinho de Miuzela.
Artesanato: Albardas (extinto), foles (extinto), miniaturas em cobre, tapetes de Molide (extinto).
Colectividades: Centro Social, Cultural e Desportivo Miuzelense, Associação do Sagrado Coração de Jesus, Associação das Almas, Associação Casa de Cultura Professor Doutor José Pinto Peixoto.
Imagem da Miuzela
Encostada ao concelho de Sabugal, ao qual já pertenceu, a freguesia de Miuzela é a mais distante da vila de Almeida. Com uma área de 1.420 hectares, situa-se num contraforte da serra das Mesas, ao centro de um promontório delimitado pela confluência da ribeira de Noemi e do rio Côa.
Tudo o que aqui existe merece um relevo especial e uma profunda reflexão, tudo é convidativo à meditação: a beleza das suas paisagens enquadradas na genuína natureza, a sua fauna, a rica e diversificada flora, as suas gentes e todo um mundo de história social e etnográfica. A vista geral da Miuzela chega a ser de várias tonalidades, sente-se uma magia criadora, desde a pujante verdura dos seus vinhedos e pinhais até aos pálidos esbatidos outonais, período em que o cair da folha dá o imprescindível toque de nostalgia à vida deste quadro ímpar. Infelizmente, nos últimos anos, os incêndios florestais alteraram significativamente a cobertura vegetal tradicional das áreas envolventes da Miuzela.
Quem vem de longe avista o imenso casario branco, em perfeito contraste com o austero e secular granito, não pode deixar de se sentir arrebatado por tanta beleza e pureza de um povoado que encerra uma harmoniosa forma de ser e de estar. E não consegue ficar insensível à sua linda igreja matriz, à torre do relógio, ao calvário, à escola e às fontes de mergulho.
O frondoso Pinho Redondo era uma árvore secular de grande porte que testemunhava a imponência e nobreza da antiga propriedade do “Chão da Porta”. Importante elemento do “pulmão” desta freguesia, referência ímpar de muitos séculos, esta formosa árvore atravessou os tempos ligados ao imaginário dos Miuzelenses, que amiúde a procuravam para desfrutar do seu oxigénio e da sombra que a sua copa largamente espraiada proporcionava. Também as crianças nunca conseguiram resistir ao seu fascínio e às suas pinhas que furtivamente desviavam, utilizando os pinhões como moeda de troca dos seus jogos tradicionais. Mas hoje o Pinho Redondo já não sobressai na vastidão da paisagem. Caiu, ou foi feito cair!
O Pinho Redondo era assim
O rio Côa e o seu afluente Noemi estão também intimamente ligados à vida desta freguesia, visto que as imensas veigas das margens dos dois cursos de água produziram diversas culturas ao longo dos tempos, como o linho, o milho, a cevada, a batata e a vinha, cujas uvas eram de excelente qualidade; além disso sempre foram de grande riqueza piscícola contendo variadas espécies desde a tão saborosa truta até ao tão cantado bordalo.
Outro recurso tradicionalmente importante era a caça, não tendo passado muitas décadas que aqui proliferavam grandes varas de javalis, lobos e raposas não esquecendo o incontável número de coelhos e de perdizes. Mas a relação do Côa com os Miuzelenses não se esgotava nos recursos alimentares, pois dava-lhes a água, as areias e a pedra com que construíam as suas habitações; e ainda hoje se constitui como um cartaz turístico, atraindo, com as suas praias fluviais e as suas apetecíveis sombras, inúmeras pessoas da Miuzela, seus acompanhantes e outras gentes das redondezas, e não só.
Rio Côa
Nestes últimos anos tem sido frequente ver muitos cidadãos franceses em visita à freguesia, não apenas como acompanhantes dos emigrantes, mas fruto da geminação entre a Miuzela e a cidade normanda de Mantilly, “confirmada em Miuzela do Côa, aos dezoito de Agosto de mil novecentos e noventa”.
Durante séculos pertenceu Miuzela ao concelho de Castelo Mendo, passando, com a extinção deste em 1855, para o de Sabugal, onde se manteve até 12 de Julho de 1895, data em que foi integrada no de Almeida.
As origens desta freguesia são muito antigas, crendo-se que remontem à época romana ou até a um período anterior, isto se o grupo de seis sepulturas cavadas na rocha, no sítio de Porto Mancal, forem realmente, como muitos julgam, de proveniência celta. Os historiadores que têm vindo a estudar este achado, sobre o qual ainda não há conclusões definitivas, estão em crer que terá sido muito provável a existência de uma família que ali teve o seu habitat, devido à proximidade da ribeira do Noemi e aos recursos por ela proporcionados. As sepulturas apresentam o local da cabeça mais elevado que o do corpo, e a sua disposição geográfica permite pensar que se tratou de uma família celta que por obscuras razões se extinguiu, ou foi colectivamente extinta, visto existir entre elas a de uma criança. O pequeno cemitério encontra-se num terreno privado cujo proprietário tem obstado à preservação de tão rico e expressivo património, ansiando-se fortemente que o imbróglio seja ultrapassado para que a Miuzela possa para sempre conservar aquela que poderá ser a certidão de uma idade anterior aos romanos.
Sepulturas cavadas na rocha
Mas, situando-nos por ora na época da romanização, e seguindo a lição do Dr. José Afonso Brardo, passava aqui a via romana que atravessava a serra das Mesas em Malhada Sorda, pelo caminho das calçadas até Porto de Ovelha; daí, junto ao Côa, havia a penetração directa a Miuzela e dois ramos laterais: o da ponte de Sequeiros e o do Jardo. O mais utilizado, sempre que a travessia do rio o permitia, seria o caminho do Jardo por Pailobo, Parada, Pousada, Póvoa de Mileu, com destino a Conímbriga ou Lamego. O caminho de Miuzela, bem como o de Sequeiros, este mais utilizado por viaturas ou quando o rio acusava enchentes, conduziam também a Parada, onde as caravanas faziam “parada”; daí, íam descansar e restabelecer-se em Pousada. As travessias do rio Côa e da ribeira de Noemi ou se faziam em jangada, no sítio de Poto de Ovelha, ou saltando as “poldras chancas” do Jardo, Pailobo, Porto Mancal e Carrascal, ou utilizando a ponte de Sequeiros.
As habitações primitivas agruparam-se em quatro núcleos: o do Vale, o do Barroco, o das Amigas Velhas e o de Santa Bárbara. Cada um desses núcleos procurava ter vida própria, dispondo da sua fonte; o lume mantinha-se constantemente aceso numa das casas e era transmitido aos vizinhos com serventia pela “porta do lume” ou pelo alpendre; o forno do povo ficava ao centro da povoação e mantinha-se em constante laboração pelo sistema de “adua” para evitar mais gasto de lenha quando alguém tinha de o “desamuar” depois de qualquer interrupção.
Fonte do Vale
Fonte de Santa Bárbara
As casas eram quase todas de dois pisos, ficando a habitação no segundo. As lojas, no rés do chão, serviam para as “tulhas” ou para as cortes dos animais. A corte dos animais transmitia à casa uma temperatura mais confortável no Inverno, mas, por vezes, era foco de doenças. Cada casal, por si ou em parceria, tinha a junta de vacas para o trabalho dos campos e um burro para as deslocações e para os carregamentos mais leves. Os rebanhos de ovelhas eram o principal recurso económico; para recolha dos rebanhos existiam cortes fora dos povoados, e malhadas ou cercas de paredes altas onde os ditos rebanhos ema guardados nas noites menos frias.
A Miuzela foi um lugar intermédio de vigia e defesa, onde, do Alto da Santa Bárbara, se davam sinais de aviso às fortalezas de Jarmelo e de Castelo Mendo, fiscalizando a praça rival de Vilar Maior e as passagens do rio Côa. Também aqui terá existido um castelo cujos vestígios o General João de Almeida ainda viu em fins do século passado. Segundo a tradição, teria sido construído ou reconstruído durante as guerras da Restauração. Constava de uma torre quadrada e de uma cerca para nelas se abrigar a população das investidas dos castelhanos. Para o autor dos “Monumentos Militares Portugueses” era bem possível que a sua fundação se devesse aos Suevos, com idêntico objectivo de resistir as incursões dos Visigodos, isto, antes da união entre aqueles dois povos. Cremos que, passada a guerra, o castelo, sem qualquer serventia militar, rapidamente terá entrado num processo de degradação, e se ainda estava de pé quando os franceses aqui chegaram, não foi concerteza poupado por eles. As suas pedras acabaram por ser utilizadas na construção de muros e de habitações.
Durante largos anos a aldeia seguiu a sua pacífica vida, sempre dedicada aos cuidados da lavoura, situação que o século XIX veio alterar por completo. Foram momentos de grande agitação que se viveram durante as lutas liberais e durante os confrontos travados entre Cabralistas e Setembristas, na sequência da Revolta de Torres Novas em 1846. Mas o pior já havia acontecido durante as invasões francesas. Em 14 de Maio de 1809, as tropas anglo-lusas procuravam defender Alcântara, embora inferiorizadas em número, artilharia e cavalaria. Os franceses eram 10.000 homens de infantaria e 1.900 de cavalaria, com 12 peças de artilharia, algumas de 8, outras de 12. Face a este número, não lhes restava outra alternativa senão retirarem-se. Os dragões do regimento de cavalaria de Almeida, de 50 ficaram reduzidos a 20 homens, em virtude da fadiga, e assim eram demasiadamente poucos para protegerem a retirada e para defenderem a vila. Dominada a praça de Almeida, progrediram as tropas em direcção ao coração do País, saqueando e matando as populações indefesas. Em Miuzela foi morto Paulo Afonso, no caminho de Vale de Pêro Afonso, por resistir ao roubo de uma burra e de uma cabra; e da casa da botica retiraram os soldados franceses todos os medicamentos existentes.
A Igreja de Santa Maria Madalena também não resistiu à fúria dos invasores que a incendiaram completamente. Tinha o templo três altares: o da capela-mor, com as imagens de S. Libório e de S. Sebastião, e dois colaterais dedicados a Nossa Senhora do Rosário e ao Menino Jesus. Um abade, com uma renda de 300 mil réis, presidia aos destinos da paróquia onde existia uma Irmandade das Almas. Quanto a capelas havia então a de Santa Bárbara e a de S. Martinho.
Capela de Santa Bárbara
Por volta de 1840 foi sagrada a nova e actual igreja matriz, construída no mesmo local da anterior. É um templo em granito, muito robusto e de paredes muito espessas. Possui uma elegante torre com cerca de 18 metros de altura, de delicada concepção e de rara beleza. Na frontaria da igreja admiram-se o friso e a cornija, ao gosto neoclássico, observando-se uma mistura de estilos, predominando, no entanto,, o estilo joanino. Realce ainda para a escultura granítica, figurando o orago, peça invulgar e de grande mérito que se encontra no topo da fachada principal do edifício.
Igreja Matriz
Segundo reza a tradição, foram colocados sinos de prata na majestosa torre, que, roubados mais tarde, vieram a dar lugar aos que, presentemente, pela sua imponência, se fazem ouvir em todas as redondezas. Dois homens ficaram ligados à igreja e à história desta terra que souberam engrandecer em termos culturais e espirituais. Foram eles: o abade Bernardino da Infanção que deu início à construção do templo, e o abade Salvador Ribeiro que concluiu a obra.
A população da Miuzela foi sempre profundamente religiosa e desde muito cedo teve os seus templos de culto. A Capela de Santa Bárbara, muito antiga, era assistida por frades da ordem militar do velho Convento de Malhada Sorda. Na referida ermida existiam antigas pinturas murais que as reparações fizeram desaparecer; a sua porta única não ficava no centro da fachada mas m pouco chegada ao lado esquerdo, aproveitando o declive e a configuração da rocha em que está implantada.
A Capela de Santa Luzia, edificada na primeira metade do século XIX, encontra-se em plena praça. Em Domingo de Ramos, aí se concentra toda a população com o seu ramo na mão para a bênção sagrada dos mesmos, e assim poderem participar na procissão em recordação da gloriosas e triunfal entrada de Cristo em Jerusalém antes das Sua morte; e nessa hora, lá está Santa Luzia com as portas da sua capela abertas, para interceder e proteger os desamparados.
Capela de Santa Luzia
O Calvário é outro símbolo de grande religiosidade, e ao mesmo tempo referência turística da freguesia, já que ocupa lugar de destaque no emblema e bandeira Miuzelense. O monumento é constituído por três cruzes graníticas, assentes em blocos de corte simétrico, sendo o do meio mais elevado, e do qual sobressai a cruz. Situa-se o Calvário num dos pontos mais altos e mais vistosos de Miuzela, lugar privilegiado onde nas noites tórridas de Verão os Miuzelenses se refrescam com a suave brisa que invade o local. A plataforma granítica, onde assentam os blocos que suportam os cruzeiros, é lateralmente rodeada por uma pequena escadaria, que servia outrora para os grupos de coro entoarem os martírios durante a quadra da Quaresma, bem como para colocar cruz de madeira que é transportada nas procissões dos Passos, em Via Sacra, cumprindo-se assim o ritual litúrgico da semana Santa ou semana Maior como lhe chama o povo.
Calvário
Da zona rochosa do largo do calvário parte um manancial de água que é captada numa bela construção granítica em forma de capelinha. É a célebre Fonte do Mercado que inspirou poetas e em tempos serviu um dos quatro núcleos que compunham a Miuzela. Santa Bárbara, nome desse aglomerado, é um dos expoentes da freguesia, com o mercado e a já referida capela da invocação daquela santa. Pensa-se que nas proximidades desse núcleo terá existido o famoso castelo da Miuzela.
Em termos de arquitectura civil é de destacar o edifício que alberga a escola da Miuzela, situado no topo da avenida principal, com um amplo largo de acesso e apetecíveis recintos de lazer que motivam as crianças no aprender do Saber. Considerado um dos mais bem concebidos e alicerçados edifícios escolares dos anos trinta, teve como principal mentor da sua edificação o grande benemérito Alexandre Marta da Cruz. A escola da Miuzela teve, desde sempre, mestres mui dignos e dedicados que projectaram para o futuro os grandes homens Miuzelenses, que com o seu prestígio, o seu saber e a sua ciência, souberam demonstrar ao País e ao mundo que a escola desta freguesia foi, é e sempre será o berço da riqueza cultural que muitos dos seus filhos têm transmitido de geração em geração.
Escola
Gente que não esquece os seus, estejam eles onde estiverem, os Miuzelenses também não quiseram esquecer todos os soldados portugueses que, em cumprimento do dever pátrio, tombaram em terras africanas. Para perpetuar a sua memória foi erigido o Monumento aos Mortos do Colonialismo. Situado no largo da escola, em granito, a simplicidade deste monumento caracteriza a forma de ser e de estar das gentes de Miuzela.
Monumento às Vítimas do Colonialismo
Gentes que, desde há muito, elegeram a “Rua Antiga” como o seu principal ponto de reunião e de encontro. Mais conhecida pela Rua da Ronda, foi ao longo da existência de Miuzela a sua mais importante artéria. Era como que o coração da povoação, ligando os seus diferentes agregados populacionais e permitindo um mais fácil acesso ao mercado mensal que se continua a realizar. A Rua Antiga também desempenhou um papel de relevo durante as invasões francesas, pois através dela se transportavam os feridos para a Casa da Botica, transformada em hospital de campanha durante esse período. Essa casa continua de pé exibindo beleza e o aperfeiçoamento do seu granito, e constituindo-se como uma recordação de um passado cheio de glória. Ainda hoje esta rua é da maior importância para a vida dos Miuzelenses, passando por ela todas as procissões religiosas, localizando-se aí a Casa Paroquial, fazendo a ligação à praça e à igreja, ao mercado e à escola, em suma, é a chave mestra desta pacata e linda aldeia. No sentido de lhe ser restituído o seu antigo esplendor, em boa hora as forças vivas da freguesia deitaram mãos à obra e calcetaram-na à moda antiga.
Rua da Botica. Aspecto do imóvel antes da intervenção de remodelação e restauro das parcelas para a instalação da Casa de Cultura
Se a Rua Antiga foi desde sempre importante na vida destes habitantes, o mesmo se poderá dizer da torre do relógio. Construída na segunda metade do século passado foi imediatamente adoptada como símbolo de poder civil e de independência autárquica, representando para este povo algo como o que para outros representava o seu pelourinho. Quando o combóio aqui chegou, transportando ventos de mudança que este povo tão bem soube agarrar, passou a torre a ser alvo das maiores atenções, já que todas as cabeças se viravam para o seu relógio controlando a hora a que chegava o cavalo de ferro que desde parou no seu concorrido apeadeiro. Também serviu o relógio como instrumento de ensino, pois os professores, devido à escassez de relógios de pulso ou de bolso, para lá levavam os seus alunos ensinando-os a ler as horas. A torre, imponente edificação em granito da região, serviu também de prisão, e o seu relógio continua hoje a cumprir na perfeição a missão de que foi incumbido.
Torre do Relógio
Mas o ex-líbris desta freguesia é, sem dúvida alguma, a gloriosa ponte de Sequeiros. Classificada como imóvel de interesse público e considerada como cartaz turístico de grande importância histórica e cultural, pena é que os seus acessos não sejam os mais condizentes, fazendo com que muitos visitantes desistam de a ver.
Ponte de Sequeiros
Tipicamente medieval, estamos em presença de um monumento grandioso, só comparável, em toda a Beira, à ponte de Ucanha, no concelho de Tarouca. A sua imponência, a sua grandiosidade e elegância, com os seus tês arcos de volta inteira, fazem com que os dois tabuleiros sejam ligeiramente inclinados, permitindo um pequeno declive para cada lado. O torreão, de construção posterior, mas muito antes do Tratado de Alcanices, desempenhou papel de defesa contra as invasões leonesa e castelhanas, vindo mais tarde a ser posto de portagem alfandegária. A ponte tem 51 metros de comprimento por 5 de largura e a robustez do seu arco central permite a passagem de fortes enxurradas de água sem que os suportes que o sustentam sejam danificados.
De acordo com o Censo de 1991, a população residente da freguesia era então de 518 habitantes, ocupando o 4 º lugar do concelho. Este é um número impressionante quando comparado com o que foi registado em 1758: 560 habitantes. Claro que existem explicações para o facto de se registar um abaixamento demográfico neste espaço de mais de duzentos anos. Em meados do século XIX quando decorre o primeiro Censo digno desse nome, assinala-se já um aumento considerável de cerca de 35 % relativamente a 1758. E até ao Censo de 1911 o crescimento será contínuo, passando-se dos 710 para os 967 indivíduos residentes. Ora, este comportamento esteve de acordo com a tendência nacional. Entre 1911 e 1930 perdeu 126 indivíduos, o que até se pode considerar normal considerando que durante esse período ocorreu a Grande Guerra, houve um grave surto de gripe pneumónica e surgiram os primeiros focos de emigração deste século. Depois, até 1960, a recuperação será considerável atingindo-se uma cifra de 1.045 habitantes, bem superior à de 1911.
A partir de 1960 foi o descalabro, descendo a população, no curto espaço de dez anos, para apenas 705 habitantes. É verdade que, já antes, o Brasil e outros países da América do Sul haviam atraído alguns habitantes da freguesia, mas durante os anos sessenta a emigração parecia querer desertificar demograficamente o território de Miuzela. De facto, entre 1960 e 1970, a freguesia perdeu nada mais nada menos do que 340 pessoas, ou seja, cerca de 38 % da sua população, quando a média do distrito da Guarda foi de 27 %. Entre 1970 e 1991 continuou a freguesia a perder residentes registando 593 em 1981 e 518 em 1991. Foi realmente um século de fortes oscilações demográficas.
Mas a emigração Miuzelense não se fez apenas em direcção ao estrangeiro, tendo muitos optado pela migração interna, privilegiando a capital do País. Que se saiba nunca nenhum esqueceu a sua terra, espalhando continuamente por esse mundo fora o brado privativo e tão característico dos Miuzelenses: “Ó Miuzela, arriba!”. Vêm mesmo a propósito as palavras de José Afonso Brardo quando diz que os Miuzelenses continuam “em Lisboa, na França ou nos Brasis, valorizando-se e impondo-se pelas virtudes que herdaram no berço velhinho da Miuzela, a Terra Mãe que amam, que honram, e que visitam com saudade”. Como diria Luís Aires Veigas: “Jamais te esquecerei, mesmo aqui em Lisboa / Estás no meu pensamento ó Miuzela do Côa”.
Os que ficaram também viram, directa e indirectamente, melhorada a sua sorte, assistindo, por exemplo, à valorização dos seus móveis e imóveis, e, nesta perspectiva, houve estímulo ao crescimento e desenvolvimento local. Por isso, não admira que esta ridente e progressiva freguesia disponha dos mais variados equipamentos básicos e estruturas de apoio como um Jardim de Infância, um Centro de Dia para a Terceira Idade, uma extensão do Centro de Saúde de Almeida e um posto da Guarda Nacional Republicana.
As principais actividades destas gentes giram à volta da agricultura, da pecuária e do pequeno comércio tradicional. E em termos tradicionais, não pode ser esquecido o papel fundamental do artesanato e doa artesãos, em que se destaca a sua qualificação e o seu saber-fazer, transmitido de geração em geração e enraizado na cultura local. Segundo dados muito recentes, existem ainda 15 artesãos genuínos, com idades compreendidas entre os 60 e os 90 anos, dedicando-se a artes diversas: latoaria, albardas, bracejo mantas, rendas, tapetes e rodilhas. Que os jovens não deem razão aos mais velhos quando estes lastimam que “a sua arte morra com eles pois os mais novos não querem aprender”. Os mais novos serão capazes de ter razão pois deparam ainda com a dificuldade, pelo menos em alguns casos, de encontrarem mercado para os seus produtos. A solução para esse problema poderia passar, por exemplo, pela instalação em Vilar Formoso de um “Posto de Venda de Artesanato” que seguramente escoaria todos os produtos oriundos de Miuzela bem como das outras freguesias do concelho. (infelizmente, esta actividade tem vindo a desaparecer, restando apenas dois ou três artesãos).
O artesanato é (era) apenas uma das tradições desta freguesia que regista muitas mais, algumas, infelizmente, já desaparecidas. E é aqui que entra o Centro Social, Cultural e Desportivo Miuzelense que tem vindo a dinamizar a preservação dos ricos usos e costumes deste povo. Foram já criados dois ranchos folclóricos, um dos quais infantil. Em boa hora houve aqui gente que lobrigou a necessidade de se iniciar e desenvolver todo um trabalho de pesquisa e registo de danças, cantares, trajes e todas essas tradições que constituem a memória de um povo a que o Centro e os seus ranchos tanto se orgulham de pertencer. Aqui trabalha-se para que nunca venha a acontecer aquilo que a etnóloga Ermelinda Campos tanto temia: “Muito em breve já nada restará deste mundo em extinção; em muitos casos já nada resta mesmo, nem nos museus que não temos, nem na memória dos velhos que já morreram e cujo registo não se fez a tempo”.
E tudo isto, mais o muito que ficou por dizer, chama-se Miuzela, uma terra onde o acolhimento dispensado pelas suas gentes tanto cativa. E foi concerteza isso que cativou Hermínio Beato de Oliveira, consagrado poeta do século XIX: “É a Miuzela do Côa / Lá para as bandas de Espanha / Terra amiga que o sol banha / E Deus de perto abençoa. Gente nobre gente boa / De singeleza tamanha / Temperada na montanha / Onde a maldade não soa”.