Maria Solange Mendonça Leite
Coube-me a honra de fazer o Elogio do Patrono do “Prémio Nacional Professor Doutor José Pinto Peixoto – Ensino Secundário 2007 - 2008”. Tentarei transmitir-vos, embora que resumidamente, a Obra do Professor, do Cientista e do Humanista que é José Pinto Peixoto.
José Pinto Peixoto nasceu a 9 de Novembro de 1922 na aldeia de Miuzela, concelho de Almeida, Distrito da Guarda. Filho de Professores Primários, fez os seus Estudos Secundários em Lisboa, no Liceu Gil Vicente, com o apoio do Instituto do Professorado Primário. Apesar da separação forçada por esta vinda para Lisboa, manteve sempre uma ligação muito forte à sua Família e à sua Terra Natal, que homenageou publicando o livro “Miuzela: a Terra e as Gentes” em 1996.
No Liceu Gil Vicente, destacou-se por um desempenho escolar excelente, interessando-se em particular pela Matemática.
Terminado o Ensino Secundário, ingressou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde terminou a Licenciatura em Ciências Matemáticas em 1944 e a Licenciatura em Ciências Geofísicas em 1952, após o que ingressou nos Quadros da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como Assistente Extraordinário. Doutorou-se em Física, pela mesma Universidade, em 1959. Ocupou a Cátedra desde 1969 até ao seu Jubileu, em 1992.
Inicialmente, a sua actividade profissional fundamental foi desenvolvida no Serviço Meteorológico Nacional (hoje Instituto de Meteorologia), tendo aí introduzido e desenvolvido métodos modernos de análise e de previsão do tempo.
Depois de ingressar na Faculdade de Ciências, o Prof. Peixoto evidenciou-se rapidamente no ensino da Meteorologia e do Clima, renovando por completo o estilo de ensino praticado até então.
Uma bolsa da Academia das Ciências, atribuída em 1954, permitiu-lhe deslocar-se e estudar durante dois anos nos Estados Unidos da América, onde fez a preparação dos trabalhos que iriam constituir a sua Tese de Doutoramento. Esses trabalhos constituíram o ponto de partida para uma colaboração profícua com Cientistas Americanos, que se viria sempre a reforçar com o decorrer do tempo, e que terá sido a chave fundamental para o sucesso científico que lhe viria a ser mundialmente reconhecido.
Foi nesse período que José Pinto Peixoto estudou no prestigiado Massachussets Institute of Technology (MIT), integrado na equipa de Victor Starr, então responsável pelos primeiros estudos sistemáticos sobre a Circulação Geral da Atmosfera. Victor Starr foi um dos grandes nomes da Física da Atmosfera no século XX. Nas décadas de 50 e 60 desse século, Starr criou uma Escola de Cientistas, em que incluiu José Pinto Peixoto, Edward Lorenz, Barry Saltzman e Abraham Oort. Todos eles viriam a ser responsáveis por contribuições muito importantes para a Teoria da Circulação Geral da Atmosfera.
José Pinto Peixoto encarregou-se, em particular, do estudo do Ciclo da Água à escala planetária, desenvolvendo uma metodologia de análise totalmente baseada em dados de observações de sondagens atmosféricas. O resultado desse estudo foi o traçado das primeiras cartas planetárias do transporte de água pela Circulação Geral da Atmosfera, cuja importância veio a ser reconhecida pelos artigos que foi convidado a publicar nas revistas científicas mais prestigiadas a nível mundial. Foi nesse contexto que José Pinto Peixoto deu uma contribuição científica valiosíssima para a Hidrologia mostrando, com base apenas em medições atmosféricas, que deveria existir água sob o deserto do Sara.
Desde a sua primeira estadia no MIT, José Pinto Peixoto manteve uma colaboração permanente com os seus Colegas Cientistas Americanos, com visitas anuais prolongadas, primeiro ao MIT, mais tarde ao Atmospheric Environment Research (AER) e ao Geophysical Fluid Dynamics Laboratory (GFDL). Nestas Universidades, em paralelo com a actividade de investigação, leccionou Cursos de pós-Graduação em Meteorologia.
Entretanto, em Lisboa, na Faculdade de Ciências, José Pinto Peixoto dedicou-se ao ensino da Meteorologia e da Termodinâmica. Nas suas aulas introduziu muito do estilo e da qualidade do ensino pós-graduado do MIT. O Curso de Meteorologia tornou-se uma oportunidade para ensinar muitos tópicos de Física e de Matemática que sempre o interessaram e que não faziam parte dos Cursos então leccionados nos primeiros anos da Licenciatura.
José Pinto Peixoto modificou radicalmente o ensino da Termodinâmica, tendo operado, neste domínio, uma verdadeira revolução. Com efeito, passou a ensinar, de facto, a Termodinâmica. Não a termodinâmica clássica das máquinas e dos ciclos, mas sim a Termodinâmica de Gibbs, modernizada por Tisza, que ele bem conhecia do MIT. José Pinto Peixoto passou a ensinar, pela primeira vez em Portugal, aquilo a que se dá o nome de Termodinâmica Generalizada. Promoveu igualmente o ensino da Hidrologia e da Oceanografia Física.
Devido ao seu estilo muito próprio, José Pinto Peixoto estabeleceu uma relação muito próxima com a maioria dos seus Alunos, neles estimulando o interesse pelo estudo da Atmosfera e do Clima. Pedagogo ilustríssimo e com visão, José Pinto Peixoto falava, e falava com convicção profunda, de uma “escola risonha e franca”.
José Pinto Peixoto foi um Homem que marcou uma época em Portugal. Fê-lo de forma inconfundível, transpondo para a sua Obra Pedagógica e Científica aquilo que marcava a sua personalidade, tão diferente do comum. São hoje Docentes de várias Universidades Portuguesas pessoas que receberam, directa ou indirectamente, a influência científica poderosíssima de José Pinto Peixoto, entre as quais me encontro.
O Prof. Pinto Peixoto assumiu a Direcção do Instituto Geofísico Infante D. Luís em 1970 — Instituição fundada em 1953, no reinado de D. Pedro V — procurando modernizar e renovar a influência daquela Instituição em Portugal.
A partir de 1980, o Prof. Pinto Peixoto assumiu a Presidência da Classe de Ciências da Academia das Ciências de Lisboa e, em anos alternados, a Presidência da Academia — fundada em 1779 e que teve como primeiro Presidente o Duque de Lafões.
O Prof. Peixoto passou, então, a dividir o seu tempo entre a Academia das Ciências, a Faculdade de Ciências e o Instituto Geofísico Infante D. Luís. Mas não só! Espantosamente, teve ainda tempo para colaborar com várias Universidades Portuguesas, em particular a Universidade da Beira Interior, que ajudou a criar, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a Universidade do Algarve, a Universidade Nova de Lisboa, entre outras.
Continuou a deslocar-se aos Estados Unidos da América duas vezes por ano, em Fevereiro e durante os três meses de Verão, onde manteve sempre Projectos de Investigação.
No início da década de 80, José Pinto Peixoto passou a dedicar-se também à preparação de uma síntese do trabalho de investigação até então desenvolvido. Este trabalho culminou com a publicação do livro “Physics of Climate”, pelo American Institute of Physics, em 1992. O livro tornou-se rapidamente e em todo o mundo uma obra de referência nas áreas da Meteorologia e do Clima, mantendo-se ainda hoje como uma das Obras mais utilizadas nos estudos da Circulação Geral da Atmosfera. Está traduzido em mais de vinte línguas, entre as quais o mandarim.
José Pinto Peixoto foi membro de diversos Comités Internacionais, dos quais se salientam a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o Comité Científico do Centro Europeu de Previsão a Médio Prazo, consultor da UNESCO para assuntos de Hidrologia, membro da União Internacional de Geofísica e Geodesia, entre muitos outros.
No mês em que deixou a sua Vida Terrena, em Dezembro de 1996, foi publicado o seu último artigo, numa das Revistas da Especialidade mundialmente mais prestigiadas, o Journal of Climate, artigo esse que versava a Climatologia da Humidade Relativa na Atmosfera. Na véspera de nos ter deixado fisicamente, já hospitalizado, terminou a monografia “O Sistema Climático Total e seus Componentes” para a Exposição sobre os Oceanos (EXPO 98).
Para além de se revelar como Cientista ímpar, José Pinto Peixoto demonstrou também possuir uma cultura invulgar, quer no domínio das Letras, quer na História, quer nas Artes. A sua estrutura conceptual era extremamente sólida e vasta.
A Obra Científica de José Pinto Peixoto foi reconhecida por diversas vezes:
Em 1961 foi-lhe atribuído o Prémio Artur Malheiros (Academia das Ciências).
Recebeu por duas vezes, em 1989 e 1993, o Prémio Boa Esperança (atribuído pela Junta Nacional de Investigação Científica, hoje Fundação para a Ciência e Tecnologia).
Em 1992, a Exposição Internacional de Sevilha, homenageou-o atribuindo-lhe um lugar a par com o primeiro Prémio Nobel Português, Egas Moniz.
Em 1993 foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada.
Nesse mesmo ano foi convidado para proferir a Lição em Memória de Starr, no Massachussets Institute of Technology.
No seu Curriculum Vitae contam-se, ao longo de quase 50 anos, 170 trabalhos, dos quais 60 são artigos publicados nas revistas internacionais da especialidade mais conceituadas a nível mundial, incontáveis textos pedagógicos e livros de divulgação científica.
José Pinto Peixoto não foi um especialista com reputação mantida pelos meios de comunicação social e apoio de políticos. José Pinto Peixoto ficou conhecido, não por ter muitos artigos ou muitos projectos, mas sim porque havia a consciência de que era alguém que tinha dado uma contribuição efectiva, e não efémera, para o Saber e para o avanço do Conhecimento.
Como escreveu na sua Tese, e continua a ser válido, não dispomos ainda de uma Teoria Geral do Clima, pelo que a nossa compreensão dos mecanismos que regem o Clima da Terra e a sua variabilidade é ainda muito limitada. José Pinto Peixoto integrou um grupo de Cientistas de renome internacional que emitiu uma declaração de prudência quanto à questão das alterações climáticas, recomendando que se evitasse tirar conclusões apressadas, desprovidas de uma fundamentação científica credível.
José Pinto Peixoto dá-nos um exemplo de inteligência, de cultura, de competência científica e dedicação ao Ensino e à Universidade. É, sem dúvida, um Homem de Cultura e um Cientista de qualidade ímpar.
Honrar a Memória de José Pinto Peixoto é seguir o seu exemplo e continuar a sua Obra.
Possamos todos estar à altura dessa tarefa.
Colégio de Lamego da Ordem Beneditina
18 de Dezembro de 2008
Comunicação apresentada pela Professora Associada com Agregação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e sócia de honra da Associação Casa de Cultura Professor Doutor José Pinto Peixoto, na cerimónia de entrega do prémio nacional “Professor Doutor José Pinto Peixoto – Ensino Secundário 2007-2008”, que teve lugar no Colégio de Lamego da Ordem Beneditina, em 18 de Dezembro de 2008.